Devendo falar de Irmã Tecla Merlo, cofundadora e primeira Superiora geral das Filhas de São Paulo, me vêm à mente as palavras do Apóstolo aos Colossenses: “Pensem nas coisas do alto, e não nas da terra; vocês, de fato, estão mortos e a vossa vida escondida com Cristo em Deus” (Cl 3,2-3). Talvez suscite admiração o fato de aproximar uma mulher tão audaz ao pensamento da morte e do escondimento. O luzeiro, diz o Evangelho, não deve ser colocado debaixo do arqueiro. Irmã Tecla Merlo não foi somente uma mulher volitiva, enérgica e corajosa, mas foi também uma mulher sábia. Ela soube morrer em Cristo para viver com Ele, ser geradora de vida. O escondimento em Cristo foi o segredo de sua eficácia carismática (…).
Fidelidade ao Fundador e responsabilidade da Congregação com dificuldades e problemas não fáceis de conciliar. Sentia o arrebatamento, mas também a fadiga da imolação. A vida religiosa é uma crucificação. “Os votos – dizia – são os três pregos que fixam a alma no serviço de Deus”. Entregou-se ao serviço de Deus, sem hesitações, aceitando a priori suas consequências.
Às palavras de São Paulo aos Colossenses, do início, fazem eco as do evangelho de São João: “se o grão de trigo, não cai na terra e não morre, fica sozinho. Mas se morre, produz muito fruto. Quem tem apego à sua vida, vai perdê-la, quem despreza a sua vida neste mundo, vai conservá-la para a vida eterna” (Jo 12, 24).
É a sublime mística de Cristo. O escondimento em Cristo traz muitos frutos e a obra apostólica é um deles. A imolação da vida, nesta terra, leva-nos a encontrar a vida e a transformar-nos em geradores de vida. Isso é obra da graça. Irmã Tecla abriu inteiramente seu ser à graça. Morreu para fazer Cristo viver. A graça deu-lhe tão grande dimensão e potencialidade que ainda hoje a sentimos viva.
É necessário considerar o perfil psicológico-espiritual de Irmã Tecla, ou seja, o seu ser como objeto do trabalho da graça.
Exercitou-se na abnegação e no equilíbrio; seu equilíbrio espiritual é um dos efeitos do trabalho da graça. Convicta de que a fonte do verdadeiro sucesso apostólico é a vida em Cristo, nada a desviou da contemplação e não houve ação que não a unisse a Cristo apesar de todos os problemas da Congregação e da Igreja. (…)
Sua vida foi uma verdadeira vida apostólica: ativa na contemplação e contemplativa na ação. Nem beatice e nem ativismo, mas apostolado em Cristo e por Cristo. Uma fonte de ações de caridade brotava de sua vida de fé. Falando do apostolado dizia: “O Senhor quis associar-nos à sua missão de salvar o mundo”.
Consciente da grandeza de sua vocação, a vivia, morrendo e vivendo em Cristo. Desejava que suas filhas fossem dignas de tão grande dom. Não admitia equívocos sobre o significado da vocação. Afastar todo e qualquer pensamento que deturpa a sua beleza, ou dificulta a conformação em Cristo.
Trecho de suas conferências:
Dizer àquelas que desejam ser irmãs que existem muitos sacrifícios a serem feitos: se vierem porque lhes agrada o hábito, ou porque é confortável, não são boas vocações. Acima de tudo desapegar-nos de nós mesmas; este é o maior sacrifício. Que o Senhor nos conceda esta graça.
(…) Mulher de fé, teve extraordinária atividade apostólica. Com o olhar fixo em Cristo, sabia perceber nele às necessidades dos homens. Foi uma mulher de grande e sublime esperança.
Outra vez que a vi e falei com ela, foi em sua última visita no Extremo Oriente. Lembro-me bem daquela tarde. Já era noite e nos encontramos no Rizal Memorial Park de Manila. Havia uma grande multidão de gente que esperava a procissão de Corpus Christi que vinha da Catedral. Ela estava em pé, na calçada, rezando o rosário, que não abandonava nunca. Sorriu-me e nos cumprimentamos. Nas poucas palavras que trocamos, impressionou-me que, sem ar de afetação espiritualista, seu discurso tinha caráter sobrenatural. Era uma continua referência a Deus, de modo muito simples, diria eu, quase ingênuo. Era como ser “criança”, no sentido evangélico do termo.
Lembro-me também que há muitos anos, em Roma, passando perto da casa das Filhas de São Paulo, encontrei-a no jardim, junto com outras irmãs que costuravam e bordavam. Parei para conversar um pouco e uma irmã me perguntou por que, quando eu pregava (fazia então instruções sobre São Paulo), não falava do paraíso.
Respondi com certa arrogância, que eu não sabia nada do paraíso, porque o único que disse ter estado lá, São Paulo, soube apenas dizer que “existiam coisas que o olho humano jamais viu e o ouvido ouviu”. A piada queria ser engraçada, mas a Primeira Mestra inflamou-se e respondeu com entusiasmo: “É muito consolador ouvir São Paulo dizer tais coisas. O paraíso deve ser tão bonito que nem ele soube descrever”.
O paraíso era a meta. Irmã Tecla pensava-o constantemente e lhe dava energia no duro caminho da vida.
Concluo com algumas palavras suas, realmente significativas: “olhar sempre para o céu! Lá está nossa verdadeira pátria, o lugar que o Senhor nos preparou. Devemos desejar chegar lá a todo custo. Nunca perder a coragem. Duvidar de nós, mas confiar sempre em Deus”(VPC 51).
Texto extraído do testemunho de Silvano Gratilli, SSP, Conferência: “Levo-as no coração”, 25 anos após a morte da Serva de Deus, Mestra Tecla Merlo, em Rocca di Papa (Mundo Melhor), 2-5 de fevereiro de 1989.